A um mês das Olimpíadas, protestos trancam ruas do Rio e denunciam caos

DA REDAÇÃO DA ADUFF

A professora aposentada Marília Neves tem 35 anos de serviços prestados na rede estadual de Educação. Ao longo dessas três décadas e meia, jamais viu a situação tão ruim assim na vida do servidor do estado do Rio de Janeiro. Com 69 anos de idade, ela foi uma das milhares de pessoas que participaram do ato central do dia de protestos e greves no estado promovido nesta quarta-feira (6), no centro do Rio. “Nunca pensei que nós fossemos chegar a uma situação dessas, o governo do PMDB está acabando com o Rio de Janeiro”, disse.

A um mês das Olimpíadas, servidores públicos das três esferas de governo, estudantes, desempregados, aposentados e trabalhadores de estatais e empresas privadas deram um grito de denúncia ao longo do dia. Também defenderam o fim dos governos Dornelles e Temer – havia cartazes e adesivos defendendo a derrubada dos governantes estadual e da União. A Aduff-SSind participou das atividades.

Os protestos começaram no início do dia, com o bloqueio de vias de acesso à capital fluminense no Rio, em Niterói e em outros pontos da região metropolitana.  Aconteceram manifestações na av, Brasil, na altura do Into (Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia), da qual servidores da saúde participaram, e na avenida do Contorno, em Niterói.

Na Radial Oeste, na Zona Norte do Rio, também houve bloqueio de rua logo pela manhã. Estudantes e servidores da Uerj trancaram os portões da universidade e interromperam o trânsito. Alguns motoristas se irritaram e discutiram com os manifestantes, mas a ação foi pensada com o intuito de incomodar mesmo a cidade e chamar a população a reagir ao que está se passando no estado e cujas consequências atingem, agora e no futuro, a todos os que não sejam ricos e tenham como prescindir dos serviços públicos e de salário – embora até quem tenha muito dinheiro, como costumam alertar os servidores da saúde, quando sofre um grave acidente na rua inevitavelmente acabe parando numa emergência pública num primeiro momento.

A médica Mariana Caroni, que trabalha no Núcleo de Estudo em Saúde do Adolescente (Nesa/Uerj) desde 2008, disse que a sensação é de desânimo com a situação do estado. Ela participou do ato dessa manhã e disse à reportagem do Jornal da Aduff, por telefone. “Há descaso e destrato muito grande conosco… É uma vida inteira de capacitação, de investimento e de muito suor para sustentar a escolha em trabalhar na rede de saúde pública. Vejo precarização, sucateamento e deterioração; faltam condições de trabalho… Sempre tivemos problemas de infraestrutura, mas contávamos com os nossos recursos humanos, hoje extremamente desrespeitados”, disse.

SOS Emprego – O soldador Alexandre, demitido há 19 meses das obras do Comperj, o polo petroquímico da Petrobras em Itaboraí, também esteve na organização dos atos, junto com outros colegas em situação similar que integram o movimento SOS Emprego. “Ou nos unimos e somamos forças ou estamos todos perdidos”, disse à reportagem.  Dentre as várias bandeiras levadas à manifestação, estava esta, dos desempregados, que veem os governantes que comemoraram a vinda da Copa do Mundo e das Olimpíadas para Brasil agora se esconderem diante do que fizeram com o país e o Rio de Janeiro.

O metalúrgico explica que o dia de protestos e greves foi também uma tentativa de empurrar o governador Francisco Dornelles (PP) e o presidente Michel Temer (PMDB) a ouvirem o andar de baixo, que acreditam estar pagando com seus salários atrasados e congelados a conta não só da crise, das obras das Olimpíadas e da Copa do Mundo, como da propina que teria alimentado essa cadeia – na qual, segundo delatores que prestaram depoimento na Operação Lava-Jato, o ex-governador Sérgio Cabral Filho teria sido um dos grandes beneficiados.

“A corrupção corre solta e eles vêm com o ajuste fiscal para cima da gente, nunca pensei que fosse passar por isso”, disse a professora aposentada Marília, revoltada com o que fizeram com a Previdência pública própria dos servidores do estado do Rio – que acumulou enormes prejuízos com uma operação de investimento irregular e malsucedido nos Estados Unidos.

Revolta que também se percebia na servidora do Hospital Estadual Azevedo Lima, de Niterói, Graça Nascimento. “Nunca ficamos sem pagamento assim, parcelado”, disse, enquanto caminhava pela av. Presidente Vargas, a principal do centro do Rio, no protesto conjunto que teve concentração na Candelária.

A educação e a saúde são dois dos setores que mais sofrem com a crise. A rede estadual de ensino está há quatro meses em greve. Os hospitais estaduais também estão parados ou em mobilização. A greve é igualmente longa nas universidades estaduais, que passam por situação orçamentária na qual, mesmo que a greve acabasse hoje, não teriam condições de funcionar. Quadro, aliás, que parece fazer da greve e dos protestos nas ruas algo inevitável, às vésperas da chegada dos atletas e dos turistas para os Jogos.

Texto de Hélcio Lourenço Filho e Aline Pereira